Por Lux Ferreira Lima
Publicado originalmente em 30/06/2023
#AbreAspas | “Orgulho”, dizemos. De ser e de amar, sim; mas isso não é o bastante para dar conta da trajetória do termo. História e perspectiva queer nos mostram que múltiples somos não apenas nós, mas também os sentidos que inscrevemos no mundo.
Os primeiros orgulhos foram revoltas, sabemos: em Compton e em Stonewall, contra a brutalidade policial, lideradas por mulheres trans e drag queens racializadas. Mas dizer isso também não é o bastante. A rebelião se referia a algo maior.
Os movimentos de lá – e os daqui, como as mobilizações também organizadas por travestis contra a violência da polícia em 1980-90 – nos revelam o vigor resiliente da recusa. Recusa do estado de coisas apresentado como natural, normal, legítimo. Recusa do estatuto de impossibilidade, suspeição, erro em que certos sujeitos são relegados e contidos, do projeto de precariedade e morte que os sufoca. Recusa do modo de pensamento e condução da vida cishetero que tenta nos convencer de sua imutabilidade, de sua incontornabilidade
Tais desobediências no existir que extravasa os limites da norma revelam também o caráter ficcional desse modelo totalizante. Revelam como ele depende da atualização e exercício de tanta força e violência para se manter de pé. Revelam como a insatisfação com isso que nos dizem ser, como o desejo por algo além, podem se transmutar em imaginação do que tem a potência de se tornar – de nós, do mundo. Em força de concretização desses sonhos. Revelam o prazer em ser movides por essa força.
Orgulho, assim, porque nada do que tem se apresentado a nós é o bastante. A coisa que desejamos e pela qual lutamos em esperança irresignada ainda está, sempre está por vir. E quanto regozijo há em sonhar insistentemente, em costurar imensidões que desfazem a prisão do mundo como o conhecemos.
Lux Ferreira Lima. ICHSA/Unicamp
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.