Por Luis Felipe Kojima Hirano

Publicado originalmente em 03/02/2021.

#ANPOCScomPipoca: Esse fotograma retirado do filme Tudo é Brasil (1997), de Rogério Sganzerla, sintetiza possibilidades de como abordar o cinema brasileiro do ponto de vista das Ciências Sociais. No centro da imagem, temos Grande Otelo (1917-1993). Esse é o principal ator do cinema brasileiro, que percorreu os mais diferentes momentos de sua história: com papéis em filmes da Cinédia, em It’s all true – projeto inacabado de Orson Welles no Brasil –, em produções do realismo carioca, nas chanchadas da Atlântida, no Cinema Novo e no Cinema Marginal. Nesse sentido, assistir a qualquer um de seus filmes permite encontrar uma linha recorrente no cinema brasileiro e também refletir sobre as relações raciais, de suas intersecções com a questão de gênero e o próprio corpo dos artistas conforme a lógica do campo cinematográfico.

Nesse fotograma, é interessante notar que Grande Otelo está compenetrado, lendo um livro sobre Orson Welles. Sua postura, os cabelos e a barba grisalhos se contrapõem ao estereótipo racista de moleque arteiro – um papel que ele interpretou ao longo de sua carreira e uma imagem que carregou como um fardo pesado. Orson Welles buscou, em It’s all true, personagens que pudessem abarcar toda a maestria de Grande Otelo. Foi um sonho que não veio a lume, mas que volta a ser revivido nesse fotograma, de modo singular. Se por um lado, o diretor norte-americano surge como uma referência, por outro, Grande Otelo aparece como aquele que interpreta não apenas as personagens designadas por Welles, mas que inquire o próprio cinema desse diretor. Perguntamo-nos quais seriam as questões levantadas por Grande Otelo, fotografado com a boca semi-aberta, prestes a dizer alguma coisa. É, enfim, um enigma, cujas pistas ainda podem ser seguidas nos mais de cem filmes em que ele atuou.

Sugestões de filmes: Também somos irmãos (1949); Carnaval Atlântida (1953); Rio Zona Norte (1957); Macunaíma (1969) e Tudo é Brasil (1997).

Luis Felipe Kojima Hirano (UFG)

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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