Por Marcella Araujo

Publicado originalmente em 06/02/2021.

#ANPOCScomPipoca: Minha dica de filme é “Eles não usam black tie”. Escrito por Gianfrancesco Guarnieri para o Teatro Arena, em 1958, e dirigido por Leon Hirszman no cinema, em 1981, o filme é clássico em muitos sentidos. Historiadores, sociólogos do trabalho e das cidades encontram nele uma descrição potente sobre as condições de vida e as formas de luta de trabalhadores urbanos. Sem cometer spoiler com as novas gerações, que talvez ainda não conheçam a obra, basta dizer que o filme trata da organização de uma greve em uma metalúrgica. Alargando a descrição do movimento grevista além do dia da sua eclosão, o filme aborda o desgaste emocional e a míngua da comida dos trabalhadores, as divergências em torno de táticas de luta e diferenças de gênero e raça no seio da classe trabalhadora.
.
Com cenas deslumbrantes do cinema nacional, “Eles não usam black tie” aborda, além da exploração na fábrica, o papel de lugares do cotidiano na politização dos trabalhadores. Se as casas são os espaços de (parte do) trabalho das mulheres, elas não ocupam posições subalternas na luta. Romana, interpretada por Fernanda Montenegro, cata feijão e conhece a rotina dos dias de concentração para as greves, a importância do café reforçado e do documento no bolso, os passos a seguir para encontrar os grevistas presos. Maria, personagem de Bete Mendes, sofre humilhações do pai alcoólatra e tem coragem igual (ou superior, a se considerar a postura de Tião, seu noivo e fura-greve) a dos homens. Os bares são outro lugar da vida nas periferias que o filme aborda. As mesas de bilhar e as mesinhas para beber cerveja são espaços de lazer e locais de encontro para discutir as condições de vida e o que se pode fazer para melhorá-las.
.
“Eles não usam black tie” permite discutir muitas questões sociológicas: o assalariamento, o trabalho das mulheres, os sindicatos, a periferia urbana, a casa, a violência policial. Vale a pena sempre voltar a assistir.

Marcella Araujo. Professora de Sociologia da UFRJ.

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

Deixe um comentário