Por Renata Menezes e Lucas Bártolo

Publicado originalmente em 04/05/2022

#AbreAspas | Em abril, as escolas de samba do Rio de Janeiro voltaram a desfilar. As performances, arrebatadoras, operaram como ritual de expurgo do período pandêmico, em tentativa de retorno à normalidade, mesmo que o deslocamento no calendário indique que há limitações. Se, como anunciou o enredo da Unidos do Viradouro, “não há tristeza que possa suportar tanta alegria”, a felicidade do retorno combinou-se à homenagem aos sambistas que se foram pela Covid e aos profissionais prejudicados com o adiamento da festa.

No pós-desfile, a mídia e as redes sociais destacaram o caráter “afrocentrado” deste Carnaval, articulando um campo semântico composto por expressões como africanidade, ancestralidade, negritude, religiosidade; presentes nos enredos e/ou nas múltiplas formas expressivas que compõem os cortejos. A vitória da Acadêmicos do Grande Rio, com um desfile sobre Exu, evidencia a força desta presença. Ao tratar das múltiplas facetas do orixá, a escola buscou desconstruir estereótipos, valorizar as religiões de matrizes africanas e denunciar a intolerância religiosa.

Referências às religiões afro não são uma novidade na passarela, porém é importante entender sua visibilização e reiteração na conjuntura atual. Trata-se de um processo de reafricanização, empretecimento e “religiosificação” de uma festa considerada como representativa da cultura popular, carioca e brasileira. Em um contexto de guerras culturais e de ameaça às políticas de igualdade racial e reparação, o Carnaval se torna uma arena na luta por direitos. Pois os desfiles não se reduzem a reverberar ou espelhar tensões e questões contemporâneas, mas são capazes de produzir inflexões significativas no debate público e no imaginário social.

Renata Menezes (antropóloga, professora associada do PPGAS/MN/ UFRJ, @ufrj.oficial, pesquisadora do CNPq e Cientista do Nosso Estado / Faperj) e Lucas Bártolo (antropólogo e doutorando do PPGAS/MN/UFRJ).

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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