Por Maurício Hoelz

Publicado originalmente em 12/12/2022

#AbreAspas | O horror, o horror. Publicado há 120 anos, Os sertões vingou, e permanece um livro sobre a capacidade de resistência popular e de denúncia de um crime, repetido como tragédia cotidiana na violenta sociedade brasileira.

Nele é narrada a jornada dantesca do engenheiro militar Euclides da Cunha, como correspondente d’O Estado de S. Paulo, rumo ao Brasil profundo e ao encontro de Antônio Conselheiro na terra ignota de Canudos, “paragem sinistra e desolada” no coração do sertão da Bahia, em cuja cidadela, batizada de Belo Monte, se refugiaram milhares de humildes sertanejos em busca de salvação milagrosa para o “martírio secular da terra” – a seca, a sede e a fome. Euclides foi testemunha ocular dos momentos agônicos de um conflito sangrento, transformado em evento midiático por uma máquina de propaganda que o representou como foco de uma conspiração monarquista internacional e em bode expiatório por uma jovem República assolada de contradições.

A Guerra de Canudos mobilizou mais de 12 mil soldados e matou cerca de 25 mil pessoas. Pelo fogo o barro virou pó. A terra e a República foram manchadas de sangue e operou-se uma reviravolta na opinião pública. O sertão virou mar e a civilização se reverteu em barbárie. A desinformação não era mais capaz de encobrir o massacre indiscriminado de gente pobre. Parte dos apoiadores da Guerra fizeram então um mea culpa. E nenhum gesto de expiação da culpa coletiva foi mais contundente do que Os Sertões. Visto como um grito de alerta para a elite política, que dava as costas ao país e ao povo, desde sua publicação em 1902, esse “livro vingador” procurava fazer justiça pela memória a essa gente isolada pela terra e pelo Estado e consumida pelo fogo da modernização, resgatando-a para a história. #somostodoscanudos

Maurício Hoelz. UFRRJ

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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