Por Rodrigo Czajka
Publicado originalmente em 10/05/2023
#AbreAspas | A partida de Rita Lee (1947-2023) não deixa apenas uma lacuna na música brasileira, mas assinala a ausência de uma artista fundamental que tematizou, por intermédio de sua obra, diversas contradições da sociedade brasileira.
Quando na década de 1960, em plena ditadura militar, as disputas em torno das noções de brasilidade e da identidade nacional restringiam-se à recuperação das “tradições” e das “origens”, o movimento contracultural emergiu na confrontação da ordem e da moralidade burguesas.
Os embates entre os artistas engajados e os artistas do desbunde marcaram essa geração e Rita fez-se uma das principais porta-vozes da contracultura no Brasil. Iniciou sua carreira junto ao grupo Mutantes, que tinha como princípio toda uma nova relação com as noções de cultura popular a partir da música.
Uma cultura não mais vinculada ao dirigismo das esquerdas e seu apelo revolucionário, mas uma nova forma de elaborar – por meio da canção – a crítica social e o processo criativo, bem como dar ênfase às contradições da sociedade brasileira no cerne de sua indústria cultural. Daí o despojamento, o sarcasmo, a ironia e a ostentação exagerada de formas sociais, como aquelas descritas em Panis et circenses, 2001 ou Ovelha negra e outras inúmeras canções registradas em mais de 30 discos.
Portanto, a trajetória de Rita ilumina uma série de questões que dizem respeito a uma geração que viveu as revoluções dos costumes e que foram traduzidas em suas canções na forma de temas políticos constitutivos da sociedade brasileira na segunda metade do século XX. No choque entre o arcaico e o moderno, Rita ainda hoje nos desvela os impasses da modernização e aquela caretice das “pessoas da sala de jantar”.
Rodrigo Czajka. Professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.