Por Pedro Meira Monteiro
Publicado originalmente em 09/04/2021
Descontrolada, a pandemia causou mais uma perda irreparável no campo da cultura. Alfredo Bosi (1936-2021) pertencia à linhagem dos grandes críticos literários brasileiros cujo trabalho dialoga com as ciências sociais. Em livros como “Dialética da colonização” e “Ideologia e contraideologia”, o olhar mapeia as forças sociais que a um só tempo prendem o sujeito e lhe oferecem o horizonte de sua limitada liberdade.
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Na ampla militância de Bosi, humanismo e fé foram sinônimos. Leitor de Gramsci e Marx, a cultura é para ele o campo onde os limites se estendem. Leitor de Pirandello e Machado de Assis, ele sabia que a utopia é assombrada pelo grande sistema. A resistência, que Bosi encontrava no coração da poesia, brota contraditoriamente das condições materiais em que se desenvolve o que alguns chamam de espírito. Mas se o texto não é mero reflexo, tampouco é o espaço da realização plena do sujeito. No máximo, a literatura sonda a plenitude de um mundo emancipado que nunca está no aqui e agora. A ideologia encobridora e a mistificação, num país de origem colonial e escravista, são as chagas que atravessam as obras de autores que ele amava criticamente, como Vieira, Nabuco ou Lima Barreto, para não falar do próprio Machado de Assis, cujo pessimismo ele via como a arma necessária de denúncia da ideologia dominante. Entranhado no texto, o ceticismo podia minar o liberalismo que funciona na sustentação da escravidão iníqua. A compreensão crítica de Bosi foi sendo forjada nas correntes do pensamento libertário de esquerda, desde o surto democrático até os anos de chumbo e a redemocratização.
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Neste nosso momento de marcha a ré civilizacional, de democracia ameaçada, sociedade civil acuada e inteligência embotada, a luz da sua crítica vai fazer muita falta. No entanto, ele nos deixa o convite a compreender o pensamento como resistência e como fábrica de outros mundos, sempre melhores que este.
Pedro Meira Monteiro. Doutor em teoria literária pela Unicamp e professor de literatura brasileira da Universidade de Princeton.
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Foto: Reprodução/Companhia das Letras