Por Paulo Augusto Franco
Publicado originalmente em 11/08/2021
#AbreAspas | Assistimos ontem a um desfile de blindados da Marinha em frente à Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Na aparência, uma solenidade para entregar ao presidente da República Jair Bolsonaro um convite de um exercício militar envolvendo as três forças.
Sabemos que eventos como esse nunca são inocentes. Os atos que os constroem expressam significados que revelam mais do que as suas literalidades. Apesar desse exercício acontecer desde 1988, é a primeira vez que ocorre com um desfile na capital federal. Isso acontece em meio ao agravamento de crises envolvendo Bolsonaro e sua cúpula (incluindo alguns militares): escândalos de corrupção na gestão da pandemia, tensões entre os Poderes e constantes ameaças à democracia. O desfile, inclusive, foi planejado para ocorrer no mesmo dia em que o Congresso marcou para analisar a PEC do voto impresso, uma ameaça às eleições de 2022. O presidente da Câmara Arthur Lira, aliado político do presidente da República, disse ser uma “coincidência trágica”. Será?
No desfile foram ostentados, além de blindados, lançadores de mísseis e foguetes: ícones e arranjos cênicos meticulosamente montados para legislar, expressar e exagerar o poder, a força e as hierarquias. Tudo segue com tons de ameaça, quando o presidente parece acuado. O exagero no visual, na pretensiosa artilharia de guerra, acabou por revelar as suas contradições. Apesar da presença dos comandantes das três forças, o que mais brilhou foi a ausência dos chefes de todos os outros poderes da República. Ao final do dia, o plenário da Câmara rejeitou a PEC: derrota para Bolsonaro. Nas imagens que circulam nas redes sociais, a força pretendida no ato é substituída por um dos tanques que, como um carro velho, bafora uma fumaça escura. Ou seria a “trágica” obsolescência de um governo que, ao invés de trabalhar pelo país, faz de sua gestão uma eterna campanha política?
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Paulo Augusto Franco (@francoguto). Antropólogo e pós-doutorando (USP, @usp.oficial)
*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.