Por João Felipe Gonçalves

Publicado originalmente em 20/07/2021

#AbreAspas | As revoltas de julho em Cuba não foram, como muitos têm dito, meras “manifestações” similares às de 1994. Tratou-se de um imenso levante popular nacional sem precedentes desde a ditadura de Gerardo Machado (1925-1933). Nem na luta armada contra a ditadura de Fulgencio Batista (1952-1958) houve tantos protestos no país. Os cidadãos exigem o fim de um governo autoritário impopular e sofrem uma repressão brutal: inúmeros foram violentamente atacados em verdadeiras batalhas de rua e há centenas de presos e desaparecidos.

As causas mais imediatas da rebelião foram a pandemia e recentes reformas monetárias, que rapidamente agravaram problemas crônicos como as desigualdades sociais e raciais, a escassez de alimentos e remédios, o custo de vida proibitivo, os privilégios dos militares e a precariedade dos serviços públicos. O uso das redes sociais permitiu que os protestos se alastrassem pela ilha – não é à toa que o governo reagiu cortando o acesso nacional à internet. A revolta também foi possibilitada pelo recente falecimento de um líder paternalista mítico que dava ao país uma aura de estabilidade eterna.

Mas o que realmente explica o levante de 2021 é a generalizada desaprovação popular do regime e a falta de apoio ao discurso socialista oficial. Esse desgaste tem crescido desde os anos 1970 e, ainda que parcialmente oculto pelo monopólio estatal das estatísticas e da imprensa, tem sintomas como as repetidas crises migratórias e é documentado por muitas pesquisas etnográficas – inclusive a minha. Depois do levante de julho e de sua repressão, os fanáticos (alguns deles cientistas sociais) não poderão mais negar a impopularidade, o fracasso, o militarismo, a intolerância e a violência atroz do regime cubano instaurado em 1959.

João Felipe Gonçalves. Universidade de São Paulo (@usp.oficial).

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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