Por Lucas Moreira

Publicado originalmente em 22/10/2021

#ANPOCSVisual | Esta fotografia foi feita em Belo Horizonte no dia 30 de setembro de 2021, data que marcava o milésimo dia de governo de Jair Bolsonaro. Tratava-se da cerimônia de sanção do Projeto de Lei para obras do metrô na cidade e da ampliação do Centro Nacional de Vacinas. No entanto, o evento tornou-se, como de costume, palco para construção de uma cena cuja ‘dramaturgia’ remonta e performatiza a masculinidade militarizada que lhe tem servido de sustento político.

No centro da imagem, vemos Jair Bolsonaro com uma criança nos ombros que veste a farda da polícia militar de Minas Gerais e carrega, sem espontaneidade, um fuzil de brinquedo. O garoto é erguido e exibido tal qual um troféu ao fim de uma competição esportiva e, por coincidência, nas laterais apinha-se um grupo exclusivamente masculino, ministros que figuram o time. Por fim, ironicamente, na extrema direita, vê-se o ministro da ciência buscando ocupar um lugar na cena.

Insistindo nos clichês da virilidade e ferindo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a fotografia traz algo relevante do ponto de vista simbólico: apresenta a figuração de um poder violento que pode perpetuar-se desde que seja transmitido às futuras gerações por meio de uma pedagogia de gênero — função que se encontra nos próprios brinquedos infantis.

Na cerimônia, Bolsonaro relembrou brincadeiras de criança associadas ao universo bélico e à caça. A infância tornou-se o assunto da imagem e encontra-se sintetizada, tristemente, na figura deste garoto vestido de PM. O uso estratégico desta iconografia deixa entrever, por sua vez, a masculinidade predatória, que, embora siga sendo contestada, subsiste neste tipo de representação ressentida que soa quase sempre como uma fantasia infantil, alegórica e persuasiva, que sustenta líderes políticos totalitários.

Lucas Moreira (@moreiras.lucas). Antropólogo e doutorando PPGA/UFBA (@ufbaempauta)

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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