Por Marcela Rabello de Castro Centelhas

Publicado originalmente em 01/12/2021

#AbreAspas | Quem anda pela zona rural do semiárido brasileiro logo repara nos inúmeros reservatórios brancos e reluzentes que recentemente surgiram na paisagem sertaneja. Pote branco, panelão, caixa-d’água e cisterna são os nomes dessa tecnologia social de captação da água da chuva, que materializa a luta de mais de 3.000 organizações e movimentos sociais reunidos sob a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA-Brasil).

Iniciado em 2003, o Programa de Formação e Mobilização Social Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC) deu novo impulso à democratização da água numa região que sofre ciclicamente com sua escassez. Barato, eficiente e executado por meio da participação local, o Programa brasileiro já foi premiado mundialmente por ter construído mais de 1,3 milhão de cisternas, o que significou beneficiar mais de cinco milhões de pessoas.

Mas mesmo a água sendo um direito humano fundamental, desde 2016 o P1MC sofre cortes no seu orçamento, que acumula perdas de 94,5% em relação a 2014, ano em que os R$ 643 milhões de reais investidos permitiram a construção recorde de 149 mil cisternas. Situação que piorou em 2021, pois dos parcos R$ 32 milhões reservados para o Programa, menos de 500 mil foi repassado, com o atual governo prevendo entregar apenas 6 mil cisternas frente à demanda de quase 350 mil, segundo dados da ASA.

Mais do que direito a um bem comum, o acesso regular à água de qualidade permite superar e transformar situações de dominação, violência e exclusão. E se sua negação dificulta imaginar um novo futuro coletivo, talvez traçar esse futuro hoje exija a força e a firmeza da caatinga que, após a seca, ressurge verde em um dia de chuva.

Marcela Rabello de Castro Centelhas. Professora do Departamento de Sociologia do Colégio Pedro II, RJ

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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