Por Natália Fazzioni

Publicado originalmente por 12/01/2022

#AbreAspas | A Filha Perdida é a adaptação do livro homônimo de Elena Ferrante para o cinema, roteirizado e dirigido de forma primorosa por Maggie Gyllenhaal.

Ao anunciar o filme, a autora se pronunciou dizendo que não pretendia interferir na adaptação da diretora: “eu não quero dizer: você tem que ficar dentro da gaiola que eu construí. Estamos dentro da gaiola masculina há muito tempo e agora que essa gaiola está desmoronando, uma artista mulher precisa ser absolutamente autônoma”.

O filme assim acompanha a trajetória de Leda, uma turista de meia-idade em uma ilha grega, que vê suas férias interrompidas pela chegada da jovem Nina, sua numerosa família, sua filha Elena e sua boneca.

“Uma mãe não é nada além de uma filha que brinca”, diz Leda em algum momento do livro. Mas as bonecas de carne e osso exigem uma complexa equação de tempo e disposição emocional para que seja possível conciliar o cuidado e seus outros desejos como mulher. Leda e Nina revelam isso de formas distintas, mas sem deixar dúvidas de que mulheres desejam muito além do bem-estar de seus filhos. Desejos de mulheres adultas que não querem ser resumidas ao seu papel de mãe, diante de uma sociedade que segue atrelando a mulher à identidade materna, enquanto proposições para uma responsabilização social do cuidado não saem do papel.

A fuga, metafórica ou real, de mais uma gaiola na qual mulheres sentem-se presas, reveste-se de um sentimento conhecido por nós: a culpa. E aqui, a personagem de Leda é magistral em demonstrar todas as faces, sutis e violentas, que tal sentimento pode assumir ao longo de uma vida.

Um convite perturbador e inspirador a uma necessária reflexão.

Natália Fazzioni (@nataliafazzioni). Doutora em Antropologia Cultural pela UFRJ (@ufrj.oficial), realiza Pós-doutorado no PPGICS/ @oficialfiocruz e é Professora Substituta no IESC/UFRJ.

*Este post não representa necessariamente a posição da ANPOCS.

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